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segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Psicologia Jurídica e Gestalt-terapia


ANÁLISE DE CASO DE PEDRO ALONSO LOPEZ

                                                                                           Autora: Ludmilla Muniz Machado

Este trabalho tem o propósito de analisar o caso do criminoso Pedro Alonso Lopez à luz da Gestalt, enfatizando o olhar sobre o fenômeno, o ciclo do contato, funções do self, teoria de campo e resistências adotadas pelo sujeito; propondo, assim, um melhor entendimento acerca fenômeno criminal.
Pedro Alonso Lopez, conhecido como “Monstro dos Andes”, nos anos 80, foi acusado e cumpriu várias condenações por matar e estuprar mais de 300 meninas em vários países da América da Sul. Ele foi preso e posto e liberdade algumas vezes, chegando, inclusive, a ser declarado insano, período em que cumpriu internação em um Hospital Psiquiátrico em Bogatá. Em 2002, foi novamente detido, por autoridades colombianas, acusado de mais um assassinato.
Na Gestalt, o fenômeno é tratado como um todo que não pode ser decomposto em fatores menores, a fim de não perder características particulares que vão além de suas partes constitutivas. Segundo Ginger (2010), a Gestalt apresenta uma perspectiva de ser humano apreendido em sua globalidade de interação sistêmica em suas dimensões sensoriais, afetivas, intelectuais, sociais e espirituais.
Diante desta perspectiva holística de homem, façamos, então, um levantamento da história de vida de Lopez. Sua mãe foi uma prostituta e ele teve 12 irmãos. Lopez foi expulso de casa aos 8 anos de idade, ao ser flagrado, pela mãe, acariciando a irmã mais nova. Neste período, foi sodomizado por um pedófilo. Tempos depois, fugiu de um orfanato onde estava abrigado. Entendemos que tenha sido molestado por um professor da Instituição. Na prisão, aos 18 anos, foi estuprado e matou 3 criminosos. Depois deste período preso, começou a assassinar meninas no Peru, contabilizando um total de 100 garotas.
Até então, percebemos que as vivências experienciadas por Lopez, em especial na infância, foram bastante negativas e degradantes. Vimos uma mãe acusadora que não cumpriu seu papel materno em suprir o filho de alimento afetivo, intelectual e/ou espiritual. Identificamos, também, um violento corte na relação com sua família, seguido da permanente experiência de abandono. E, por fim, repetidas experiências de violência sexual.
Perls e Goodman, ao elaborar a Teoria do Self, tomaram por base o pressuposto de que toda experiência deve ser entendida como um ciclo. De acordo com Ponciano (2007), a Gestalt está centrada no conceito de contato e na natureza das relações do contato da pessoa consigo mesma e com mundo exterior. Fenômeno cíclico que se retroalimenta. A Teoria do Self, também conhecida por Ciclo do Contato ou por Ciclo da Satisfação das Necessidades, consiste na ação individual ou na interação relacional que se desenrola em quatro principais fases: pré-contato, fase das sensações, durante a qual a percepção ou a excitação nascente no corpo (geralmente por um estímulo do meio) tornar-se-á a figura que solicita o interesse do indivíduo; contato, fase ativa, quando o indivíduo consegue definir a figura e vem acompanhada de uma emoção; contato final, coesão entre a percepção, a emoção e o movimento, um contato pleno; pós-contato, fase da assimilação, o indivíduo pronto para entrar em outro ciclo. O curso deste ciclo proporcionaria ao indivíduo seu ajustamento criativo, ou seja, uma interação ativa e personalizada que se produz na fronteira de contato entre o indivíduo sadio e o meio.
A cada etapa do ciclo, o self funciona de maneiras diferentes e aparecem novas figuras, ou seja, o centro de interesse se desloca. Singer (2010) afirma que no curso das diferentes etapas do Ciclo do Contato, o self (atual modo de adaptação ao meio ambiente) modifica-se, funcionando em três modos principais: id, pulsões internas, necessidades vitais, apresentando-se na tradução corporal; eu, função ativa, escolhas como base nas necessidades e desejos; e, por fim, personalidade, é a representação que o sujeito faz de si mesmo, sua auto-imagem, assegura a integração de outras experiências anteriores e constrói um sentimento de identidade.
 Diante do exposto, pontuamos que o meio desfavorável em que Lopez se encontrava, enquanto criança e adolescente apresentou-lhe sensações, emoções e percepções que o atravessaram e o impediram de assimilar de forma assertiva tais experiências. Fato que não lhe permitiu um fechamento completo de seus Ciclos de Satisfação das Necessidades. “A vivência do campo depende da experiência do campo, cuja qualidade altera a experiência imediata vivida pelo sujeito em um dado momento” (PONCIANO, 2007, p. 27).
Um ciclo interrompido causa distúrbios no funcionamento deste self, que na Gestalt, são chamados de resistências. “Elas podem constituir mecanismos de defesa apropriados à situação, ou, ao contrário, bloqueios anacrônicos que se tornam rígidos, atestando um funcionamento patológico de evitação do contato autêntico.” (GINGER, 2010, p. 185)
Ele entrevistas dadas ainda em celas de prisão, Lopez se descreve como “o homem do século” e se dizia ter “bom comportamento”, justificando sua libertação da prisão. Ele descreve suas vítimas como “meninas suaves, confiantes e inocentes”. Matava cerca de 3 vítimas por semana. Perls considera a agressividade como indispensável para conservar nosso lugar no mundo, mas este conceito não pode ser confundido com a violência destruidora. De forma positiva a agressividade é a conquista do meio ambiente, permitindo ser reconhecido e existir em um espaço e tempo. Porém em sua valência negativa há uma dominação invasiva, sem respeito pela necessidade de assertividade do vizinho, ou seja, há uma invasão do lugar do outro.
Retomando a história de vida e Lopez, percebemos, ainda, que por várias vezes e foi preso e libertado em um curto espaço de tempo, o que possibilitou que em seus momentos em liberdade continuasse a praticar seus crimes. Confessou ter praticado mais de 300 assassinatos.
A Gestalt enfatiza a percepção e aprendizagem e propõe construções fisiológicas para explicar o comportamento. Tal pressuposto veio de encontro ao trabalho de Kurt Lewin que afirma:
[...] o campo no qual o indivíduo está inserido possui estímulos que foram um intricado mosaico de possibilidades, cabendo ao indivíduo decodificá-lo através da percepção. A inclusão dessa realidade externa possibilita uma ampliação da compreensão do funcionamento global do indivíduo, pois se considera tanto externo como a realidade interna de cada um.” (KIYAN, 2006, p. 120)

O Espaço Vital, outro termo utilizado por Kurt Lewin, corresponde à somatória de um círculo fechado (campo) e o meio psicológico, sendo que é neste espaço que o comportamento se manifesta, revelando sua relação estabelecida com o mundo. “Esse espaço corresponde ao universo psicológico de cada um” (KIYAN, 2006, p. 122).
Correlacionando os conceitos dinâmicos da teoria de campo e os aspectos criminológicos, temos:
·         Energia: força presente no ser humano, capaz de mobilizá-lo a ação. Como representação dessa forma, temos a própria agressividade do indivíduo, característica inerente ao seu self;
·         Tensão: estado alterado entre de determinada região em relação com outra. Barreira que separa o indivíduo (meio psicológico) e o meio. A tensão na barreira pode ser representada pelo poder de Polícia, Leis e punições permitindo ou possibilitando a ação criminosa;
·         Necessidade: quando a tensão em uma determinada região leva a necessidade de satisfação desta, tão logo ocorra, restaura-se o equilíbrio do indivíduo. O indivíduo apresenta a necessidade da prática criminosa como uma forma de reestabelecer seu equilíbrio, em decorrência de seu funcionamento patológico;
·         Valência: valor atribuído a cada necessidade. Dependerá da percepção e as aprendizagem que o indivíduo teve em relação ao crime para que ela assim possa atribuir polaridades positivas ou negativas à sua ação.
·         Vetor: direção, energia e ponto de aplicação para obter-se o desejado. A motivação do indivíduo para a prática criminosa.
No caso em questão, Lopez a partir das experiências vivenciadas construiu em sua personalidade a pulsão de agressividade de forma não assertiva em relação ao outro. A tensão que o separa da prática criminosa não é barreira suficiente para impedi-lo de cometer crimes, pois a valência atribuída à sua necessidade de satisfação foi julgada positiva diante das brandas punições apresentadas; fato, este, que o direcionou e lhe produziu energia para praticar mais de 300 assassinatos.
Para concluir, podemos afirmar que a Teoria da Gestalt tem muito a contribuir para a Psicologia Jurídica. O seu entendimento de homem como um ser no mundo, constituído a partir da interação organismo, ambiente e histórico; e capaz de realizar escolhas segundo suas próprias necessidades e desejos nos apresenta importantes revelações acerca do fenômeno criminal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

GINGER, S. Gestalt: a arte do contato: uma nova abordagem otimista das relações humanas; tradução de Lúcia M. Endilich Orth. – 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

KIAN, A. M. M. E a Gestalt emerge: vida e obra de Frederick Perls. São Paulo: Editora Altana, 2006.

PONCIANO, J. R. O ciclo do contato. Brasília: Editora Ser, 1995.

Um comentário:

  1. Parabéns pela proposta. Mas na minha opinião é um erro tentar se aprofundar no sujeito, antes (e até depois, em certa medida) de dar voz a ele. Isto acaba proporcionando compreensões que só ajudam a cada vez mais ocultar o ser.

    Mas parabéns pela clareza dos conceitos, e concordo contigo que a Gestalt tem muito a contribuir na Psi Jurídica.

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